A neoplasia evitável

Em Portugal, o cancro do colo do útero representa o 3º tumor maligno da Mulher, a seguir ao mamário e ao colorectal.
A incidência é de 12,2/100.000 mulheres com uma taxa de mortalidade de 3,6/100.000. Isto quer dizer que há quase 1.000 novos casos por ano, morrendo uma mulher por dia devido a esta patologia.
O carcinoma invasor do colo é precedido por lesões précancerosas denominadas no seu conjunto por neoplasia intraepitelial cervical (CIN) com dois graus de gravidade (baixo grau e alto grau) que ainda apresentam bom prognóstico.
Os fatores de risco estão maioritariamente relacionados com a actividade sexual e com hábitos pouco saudáveis: precocidade das primeiras relações sexuais, múltiplos parceiros, promiscuidade sexual, parceiros com infecções a HPV, antecedentes de doenças sexualmente transmissíveis, paridade elevada, hábitos tabágicos, baixo nível socioeconómico, imunosupressão e uso prolongado de anticonceptivos orais.

A responsabilidade do Papilomavírus Humano (HPV) na epidemiologia do cancro do colo é muito grande, constituindo-se como co-carcinogénio necessário para o desenvolvimento da referida neoplasia, ao ponto da investigação comprovar que os diversos tipos de HPV de alto risco são detetados em cerca de 99% dos cancros do colo.
A incidência de infeção por HPV é muito elevada nas mulheres sexualmente ativas, pelo menos até aos 49 anos. No nosso país, os tipos de HPV oncogénicos mais prevalentes são os 16, 31 e 53, estando presentes em mais de 70% dos tumores.
Muitas das infeções por HPV regridem, não provocando doença grave. Contudo, apesar da progressão ser longa, 10 a 30% delas persistem com a integração do genoma viral nas células da zona de transformação e evoluem para lesões de alto grau (pré-malignas), carcinoma in-situ e carcinoma invasivo.
A sintomatologia, nas fases iniciais, é inexistente ou muito pobre, podendo surgir hemorragias vaginais anormais espontâneas ou desencadeadas pelo coito e corrimento líquido ou por vezes purulento quando acontecem infeções secundárias.
Mas o colo do útero é um órgão que se vê, o que permite o diagnóstico precoce de forma relativamente fácil. Daí, a grande importância do rastreio clínico, citológico e viral com vista ao diagnóstico precoce, à avaliação do risco de progressão e ao tratamento antes da passagem para a fase de neoplasia avançada, invasiva, muitas vezes mortal.
Assim, a citologia cervical (também antigamente conhecida por Papanicolaou) continua a ser essencial e, não havendo rastreio organizado em Portugal, deve obrigatoriamente ser realizada a partir dos 21 anos ou de 2 anos após as primeiras relações sexuais. Perante uma citologia anormal, deverá ser avaliado o padrão colposcópico do colo e proceder a eventuais biópsias dirigidas.
A genotipagem viral, já à nossa disposição, identificando o tipo do HPV envolvido, pode trazer novas informações para a avaliação real do risco de progressão de CIN para formas mais graves da doença. Neste sentido, vários trabalhos dão-nos hoje já a noção de que 10 a 30% das lesões de baixo grau evoluem para alto grau e que, sem acompanhamento correto, cerca de 18% das casos com HPV 16 evoluem para cancro do colo em 10 anos.

Conclusões:

  • Os principais factores de risco para o cancro do colo do útero incluem a precocidade das primeiras relações sexuais, exposição a múltiplos parceiros (sobretudo de alto risco), assim como o tabagismo e a imunodeficiência;
  • A infecção pelo Vírus do Papiloma Humano (HPV) é necessária para o desenvolvimento da neoplasia cervical e é encontrado em quase todos os tumores com esta localização;
  • As fases iniciais da doença são praticamente assintomáticas, o que torna o rastreio (nas suas diversas formas) de elevada importância;
  • A comprovação diagnóstica é sempre histológica, dada pela biópsia dirigida colposcopicamente ou por conização;
  • O cancro do colo do útero pode, na esmagadora maioria das vezes, ser evitado. Previna-se: evite os factores de risco apontados e consulte com regularidade o seu médico de família ou o seu ginecologista.

1. Berrington DE et al. Comparison of risk factors for invasive squamous cell carcinoma and adenocarcinoma of the cervix. Int J Cancer 2007; 120:885.
2. Estudo Cleopatre Portugal, 2008/2009. INSA/Sanofi Pasteur MSD.
3. Waggoner SE et al. Smoking behavior in women with locally advanced cervical carcinoma. Am J Obstet Gynecol 2010; 202:283.
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