Imortalidade celular?

Uma das características das células normais é a morte programada, o que quer dizer que cada uma das nossas células detém a informação do momento em que tem de morrer, sendo ou não substituída por outra. Embora o nome tenha pouco interesse, a isto chama-se apoptose.
É relativamente frequente, durante o processo de divisão celular surgirem erros de cópia do material genético que levam a mudanças na sequência dos nucleótidos (partes do ADN): mutações.
Enquanto em pequeno número, estes incidentes desfavoráveis são controlados e as células com mutações são pura e simplesmente eliminadas por mera seleção natural.
A ocorrência de repetidas mutações para além do suportável (com fragmentação de cromossomas e rearranjos aleatórios, reduções e amplificações de genes), leva a alterações graduais no genoma (sequência de DNA completa com informação hereditária codificada).
Estas mutações, na presença de cofatores carcinogénicos (ex. tabaco, vírus, etc.) que tornam o terreno mais vulnerável, para além de estimularem o crescimento incontrolado das células afetadas, atenuam ou anulam a sua morte programada – a apoptose – com instabilidade e posterior anarquia celulares (uma vez atingida a fase de imortalidade celular), a que se junta a diabólica capacidade de formação de novos vasos (neoangiogénese) que irá garantir o aporte sanguíneo indispensável para satisfazer as enormes necessidades de nutrientes e oxigénio e garantir a sua temível atividade maligna.

No último número da Revista “Cell” (Jan.2011) é levantada a possibilidade de haver um outro tipo de “tempestade” celular provocando uma grande disrupção e fragmentação cromosómicas (cromotripsia) com posterior colagem ao acaso desses fragmentos, alterando a normal sequência dos seus componentes e, assim, pondo em causa toda a harmonia genómica, iria contribuir decisivamente para a tumorogénese.
Esta hipótese difere sobretudo da anterior por se tratar de uma “catástrofe” celular ocorrida subitamente num único evento, num único passo, enquanto, na primeira teoria acima apontada, as alterações ocorrem em conjunção com vários cofatores, são graduais e repetidas com múltiplas mutações concorrentes, até ao ponto de o organismo já não ser capaz de as neutralizar, iniciando-se a rápida multiplicação das células malignas imortais, invasoras localmente e a distância.
A aquisição destes novos conhecimentos sobre o cancro resultará em mais valias com vista à descoberta de novas armas terapêuticas para combater a doença, o que, associado ao diagnóstico precoce, já permite hoje e permitirá ainda mais no futuro muitas curas.
O cancro ginecológico é um deles, em que o diagnóstico precoce é fundamental para o êxito terapêutico.
Cuide de si: a consulta regular ao ginecologista pode salvar vidas.

Outras leituras:
1. Stratton MR et al. Nature 2009; 458:719-24.
2. Sahin E et al. Nature 2010; 464:520-8.
3. Stephens PJ et al. Cell 2011; 144:27-40.